terça-feira, 27 de novembro de 2018

ABORTO

Eu lanço livros
Jogo as palavras numa pontaria sem rumo
Sabe-se lá onde vão
Nem mesmo sei se vão
Talvez nasçam mortas
Ou mesmo nunca se assoletraram
Ou nem se formaram
Entupiram-se em si
Sufocadas, perpetuam-se abortadas
Palavras suicidas

Essas palavras que não saem
Que nunca viram uma estrada
Que nunca viram um quadro negro
Nem uma página de celulose
Muito menos um byte ou um bit

Palavras que não falam de dor
Nem de alegria
Nem de paz ou violência

É uma palavra muda
Sen dó
Sem mi, de ré
Sem música

Nunca foi uma palavra
Morreu,  antes da primeira sílaba
É um réquiem de quem não nasceu
E jamais viveu

Triste da palavra que não se fez
Que não conheceu a infinidade da combinação das letras
Que não conheceu combinar-se
Triste letra não conheceu
Analfabeta, sucumbiu

O que é a beleza?
Teus olhos? Verdes?
Azuis! Da cor do mar!
Teu corpo, com cintura,
De violão!
Teus cabelos, lisos!
Teus seios,  empinados!
E teus glúteos? Também salientes!
E teu nariz! Ah, nariz!
Afilado!
Ah beleza,  como te quero em mim!
Ah beleza,  como te persigo!
Sem você, choro!
Sou triste!
De tão triste, resta-me a inveja!
O olhar e desejo ajoelhados, implorando
Aquela beleza!
       Ah, beleza!
       Porque assim me ensinaram?
       Ensinaram-me tão bem essa lição!
       Como sou, como fui um exemplo
       De aprendiz!
Ah, beleza!
Você é tão assim que só te vejo!
Que mal te fiz pra ensinar-me
Uma única lição!
acomidadaalma.blogspot.com